quinta-feira, 11 de agosto de 2011

FUNDAMENTOS DO CANTO TÉCNICO (PARTE 1)

Introdução
            Cantar. Desde que nascemos, vivemos envoltos em um universo de sons e que, devido às nossas habilidades cognitivas, aprendemos a interpretar em nosso dia a dia; é de impressionar como um bebê consegue explorar de forma tão magistral os aspectos de suas emissões sonoras. Mesmo sendo tão frágil e pequenino; o som de um choro de bebê, por exemplo, pode atingir intensidades relativamente incríveis visto que o recém-nascido não tem, evidentemente, nenhum conhecimento inato de emissão de som, mas mesmo assim domina magistralmente respiração, emissão, intensidade, altura etc. A realidade é que quando nascemos estamos ainda dotados de instintos de sobrevivência e usamos ao máximo nosso potencial para alcançar nosso objetivo maior que é permanecer vivo: a prova é que bebês conseguem nadar muito bem nas primeiras semanas de vida. Porém, com o decorrer de nosso desenvolvimento, perdemos as nossas aptidões naturais. Com a emissão de um som otimizado não é diferente: a psicodinâmica vocal de cada um é “distorcida”; alguns aspectos de nosso desenvolvimento vocal são suprimidos frente às experiências pessoais da vida e só se recuperam mediante trabalho sério e minucioso.
            Antes de qualquer consideração a se fazer a respeito do canto técnico (que não deve ser desprezado por qualquer grupo vocal que seja, pois não é privilégio de cantores operísticos) é interessante se fazer um estudo a respeito das estruturas e processos do canto, que será o nosso principal objetivo nesta etapa.

Os três processos do canto
            Imagine o sistema envolvido pela produção do canto como se fosse um violão. Este instrumento é excelente na exemplificação de como se dá a transformação de elementos bióticos e abióticos em som.
            Um violão (instrumento de hexacórdico friccionado), dependendo do dedilhar de suas cordas para a produção do som. Este dedilhar é a força motriz deste som e representa, nos processos do canto, o processo da respiração, que é o uso do ar para fazer tocante as vibrações através de dois sub-processos: inspiração e expiração. Já as cordas de um violão, ao vibrarem, realizam o segundo processo, que é a produção do som. Porém, se pegarmos cordas de violão e as esticarmos em um espaço isolado para então tentarmos tocá-las, elas até vibrarão: esta vibração poderá até gerar impressão no ar mas, devido à pequena superfície de propagação do som que estas cordas apresentam, o som não será percebido tão facilmente pelo ouvido humano; portanto, se elas repousarem de forma racional sobre uma caixa acústica eficiente que funcione como potencializadora da impressão destas vibrações o som encontra respaldo de propagação e enfim se faz audível: e é este o terceiro e último processo: a amplificação do som.

As três estruturas do canto
            A pergunta a se fazer é a seguinte: se cada processo tem um nome (respiração, produção e amplificação) e se compara a uma ação no violão (dedilhado, vibração e potencialização) agora só falta saber qual a estrutura física correspondente a cada processo.
            Temos no violão um dedilhar que é a força motriz da produção do som: esta força motriz no canto é correspondente à estrutura dos pulmões (massa inerte) e aparelho costo-diafragmático (músculos intercostais e diafragma). Já as cordas do violão que vibram e produzem o som correspondem à estrutura das pregas vocais. E finalmente, o tampo do violão (que torna possível a percepção do som por aumento da área de ressonância corresponde à estrutura do aparelho de ressonância (laringe, faringe, boca, nariz, e também, os sinos de ressonância localizados na frontalidade do crânio).

O processo do canto
            Pois bem. O processo do canto pode ser assim descrito para uma visão global de cada aspecto do que acontece passo a passo:
            Primeiro, o ar entra nos pulmões (inspiração) ao se abaixar a cúpula do diafragma que está na base deste órgão; ao entrar o ar pela laringe e abaixar do maxilar, os pilares da voz se elevam e posicionam para dar respaldo à futura firmeza na saída do som; ao chegar aos pulmões, o ar preenche as cavidades deste órgão e termina por provocar sua dilatação, empurrando as costelas flutuantes (chamadas falsas costelas) e deixando todo o sistema dilatado para o maior espaço possível para o ar estar preparado (pois é o ar a força motriz do canto, e o canto precisa de muito ar). Assim, este “caminho” formado pela passagem de ar é chamado de coluna de ar, pois é realmente uma coluna de material gasoso que circula de forma contínua aí.
            Segundo, o ar sai dos pulmões em um movimento coordenado pelos músculos do aparelho costo-diafragmático e controlado por eles (lembrando: os pulmões não têm músculos para controlar entrada e saída do ar, mas o diafragma e intercostais sim), fazendo o caminho inverso passando pelas dilatações provocadas até a laringe, onde se depara com as pregas vocais e por movimentos vibratórios ao passar por estas produz a fonação, que nada mais é que um som sem qualquer semelhança com vogal, consoante ou som de voz humana (até mais parecido com o som de um motor de carro ou aqueles “besourinhos” que as crianças fazem com os lábios): o que dá a elaboração de som humano é o trabalho de dois fatores dinâmicos tipicamente modificados pela cultura humana: a impedância labial (o uso dos lábios) e a impedância palatal (o uso da língua), pois é aí que surgem vogais, consoantes e combinações que dão comunicabilidade aos sons.
            Terceiro, ainda concomitante, ou seja, ao mesmo tempo que a produção do som se dá, do topo da glote até a área do foco da voz (área frontal entre os olhos, que é a média dos sinos de ressonância da face) ocorre a amplificação do som cantado, que consegue aí o aumento da área de propagação do som e então a adição dos chamados harmônicos, através do encontro da fonação com o cone formado pela traqueia, cavidades das fossas nasais, seios frontais, etmoidais, esfenoidias, paranasais, temporais e maxilares. Podemos até chamar o conjunto de ressonadores.
Nos sons de natureza aguda, esta emissão é em ângulo de cerca de 70º [ou seja, uma diagonal entre o topo da glote e o foco da voz descrevendo uma parábola (curva)] que termina por resultar em uma voz coberta, compensando a existência de excessivo metal (som como que “enlatado”, ou seja, fanhoso) na projeção do som. Já nos de natureza de extremo grave, a voz quase não tem cobertura para as pessoas de voz mais aguda, sendo um recurso muito usado por vários baixos de quarteto a supressão de cobertura, concentrando a voz em área bastante metálica para graves mais claros, pois metal usado de forma adequada confere brilho à voz. Enfim, o som é expelido, em sua maior parte, por via bucal, mas também em uma minoria por via nasal.

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